Não sei por quantas vezes o medo já me aprisionou dentro de
mim mesma. Nem sei quantas vezes mais o fará. Lembro-me tão bem da sensação, o
medo a controlar todas as outras emoções, a levar a becos sem saída, a
espalmar-me entre a espada e a parede. O medo de perder, de deixar cair algo
precioso, aquele simples facto de saber que se algo fugir do controlo tudo se
poderá perder, e muito sinceramente, não consigo viver com a dúvida. Não
consigo imaginar o sentimento que uma mudança trágica faria em mim, depois de
tanta coisa ter já mudado. Não consigo conceber o quão magoada, desarranjada e
quebrada eu ficaria, nem mesmo quando já prometi nunca mais me quebrar. Não
consigo imaginar o mundo novamente, não conseguia saber como achar tudo aquilo
que um dia conseguiu fazer-me deixar de ter medo. Não sei se seria capaz de me
congelar de novo quando o sol radioso brilha dentro de mim. A dúvida persiste,
não por falta de confiança, não por falta de amor, mas porque sem provas em
contrário a duvida está lá para ser provada e comprovada até o erro ser mínimo.
Porque se não houver erro, não há dano, e aqui já houve danos demais. Danos
talvez irreparáveis, que não me permitem ter total confiança em ninguém. Danos
que me relembram da sua existência quando eu menos espero e que me fazem
escorrer uma lágrima pela face, simplesmente ao pensar numa cadeia de
acontecimentos que fariam o mundo que hoje conheço ficar semelhante a um
iceberg como um dia ele foi. Frio, gelado, sem sol. Noite permanente. Sem
saída, sem planos, sem alegria. Sem sorrisos verdadeiros, sem o brilho nos
olhos. Gelo e nada mais que gelo. Frio e nada mais que frio, daqueles que
sentimos no mais profundo do nosso ser. Virar gelo novamente seria como quebrar
–me de novo em pedaços, reinventar-me em algo que está perdido, e dessa vez,
para sempre. Sem retorno, sem teletransporte para um mundo melhor. Sem asas
para voar, para fugir para longe. Seria a escuridão sem luar, sem estrelas,
apenas negro, apenas o fim. Algo para o qual eu estou tão impreparada, tão profundamente
cega depois de ter visto o sol radioso brilhar a cada manhã. Não quero o frio
de novo. Acho que me fartei do frio, que me habituei demais ao calor. Acho que
mudei. Que adquiri algumas fragilidades, que talvez nem me dê ao trabalho de
consertar… Pergunto-me onde está a minha essência, onde está aquilo que
construí, e no meio da resposta encontro o que me fez mudar. E isso tem mais
valor agora do que tinha antes. Porque nunca tomei consciência do quanto eu
podia ser capaz de amar depois de ter perdido tanto. Depois de ter só visto dor
no meu coração, depois de ter achado que não mudaria. Eu amo, e o milagre maior
foi exactamente esse. Amar, acreditar, sentir.