E é neste inferno que vejo que já
devia ter saído deste beco há muito tempo. Que devia ter-me desintoxicado há
uns bons tempos, para voltar a saber quem sou. E silenciosamente espreito por
entre as montanhas de lixo depositados na minha cabeça, como arquivos cheios de
papelada desinteressante, em oposição á ordenação simples do meu coração, que
tanto bate como falha uma batida, nestes sentimentos confusos partilhados pelas
duas metades desse mesmo coração. E ambas as metades comunicam comigo, mas de maneiras
diferentes. Uma delas dói, e transmite amor pela droga conhecida, transmite o
vício, anseia pela adição que corrompe as minhas veias. A outra metade, meio
adormecida, transmite a paz interna necessária á felicidade, a complexidade de
outro segredo tão humano. A felicidade que quero alcançar longe da droga que
nunca me abandona.
E o tempo passa, devagar. E as palavras ecoam,
num pobre coração. E os olhos enchem-se de lágrimas, perante as lutas diárias.
E tudo o resto parece vazio, apagado pela borracha do tempo. E sufoco, contendo
os soluços e as lágrimas, enterrando tudo dentro do meu peito vazio. E grito
pela minha felicidade tão inalcançável, querendo vencer o poder da droga em
mim. E quero a desintoxicação, mesmo que ela fuja de mim. Exijo desesperadamente
a tua partida do meu coração. E desejo um mundo longe de ti, que me é oferecido
agora pela impossibilidade que me abraça á noite. Sou como um pássaro, anseio
por voar e partir, fugindo a correr do desespero que se tenta pegar a mim.
E sei que por mais que corra
jamais me abraçarás e levantarás nos teus braços como eu tanto queria que
fizesses. E ao contrário do que sempre esperei, o mundo sem ti sobrevive, o
mundo sem ti continua. É diferente, parece frio, quase coberto de gelo, mas
continua. E é isso que sei da vida. A vida continua. Depois de cada morte no
coração, a vida continuará. Isto tem de passar para cada um de nós. Depois de
sofrimento, lágrimas e de condenarmos tantas vezes o nosso julgamento a erros
que nos custam momentos importantes; tudo continua. Tudo muda mas fica lá. Não
é como uma flor que morre. É uma fénix que renasce das próprias cinzas. Isso é
a luta. Renascer após cada morte. Ser uma fénix eternamente. E eu fui uma fénix
tantas vezes, mas cansei de o ser. Preciso de um sítio onde repousar, de um
sítio onde permanecer alheia á dor que a droga agora causa. Preciso de um sítio
onde a morte e a vida não tenham sentidos banais, de um lugar onde o sol brilhe
de dia e as estrelas cubram o céu á noite.
2 comentários:
lindo como sempre :D
Obrigada :D
Enviar um comentário